Ao Metrópoles o ministro do STF defendeu o rito dos processos, mas destacou que “apiar um presidente do poder tem péssima repercussão”
Em entrevista ao Metrópoles, o ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afirmou que a Câmara dos Deputados “tem que tocar” os pedidos de impeachment contra o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). “Observada a organicidade, tem de tocar as denúncias apresentadas. A não ser que elas sejam manifestamente improcedentes, aí se arquiva”, disse (confira a partir de 31’44”).
“Que o plenário decida, que os representantes do povo brasileiro — os deputados federais — decidam, recebendo ou não a denúncia contra o presidente da República. E que haja, posteriormente, o julgamento no Senado, pelos representantes dos estados brasileiros”, destacou (29′).
O ministro do STF, no entanto, ponderou que o afastamento de Bolsonaro do Palácio do Planalto pode gerar danos ao país: “Não avançamos culturalmente quando apiamos do poder um presidente da República, a repercussão internacional é péssima. Agora, evidentemente, há de se submeter o pedido ao colegiado, é a organicidade do nosso direito. Mas o presidente foi eleito com 47 milhões de votos. Foi uma opção” (27′).
Marco Aurélio disse que “se poderia buscar a responsabilidade” do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por não dar andamento ao rito processual dos pedidos de impeachment. “E aí se apurar e haver o julgamento. Mas, pelo visto, os próprios deputados percebem que não se tem o indispensável apoio para chegar-se ao impedimento do presidente da República.”
Reabertura dos templos religiosos
Decano do STF, Marco Aurélio criticou a decisão do ministro Kássio Nunes Marques que determinou que os estados, municípios e o Distrito Federal não podem editar normas de combate à pandemia do novo coronavírus que proíbam completamente celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas.
“Não estando o Supremo de recesso ou férias coletivas, a atribuição é do colegiado. Nem a turma pode julgar o processo objetivo, o que dirá um único integrante sentir-se o maioral”, disse à jornalista Rachel Sheherazade. Marco Aurélio afirmou que Gilmar Mendes “está em uma fase de muita emoção” (23’58”). “Esse descompasso gera uma insegurança jurídica muito grande. E isso não é positivo considerando a vida em sociedade.”
No posto de ministro do Supremo desde 1990, Marco Aurélio relatou sentir saudade dos antigos colegas de plenário. “Muito embora a velha guarda fosse conservadora, eu tenho saudade. Sabia como marchava cada qual dos integrantes. A pior coisa é se alternar em votos e aí se imaginar que pode substituir o Legislativo”, frisou.
Carcinoma e aposentadoria
Marco Aurélio Mello surpreendeu ao aparecer em sessão da 1ª Turma, na tarde da última terça-feira (6/4), com a cabeça enfaixada, após ser submetido a uma cirurgia para retirada de carcinoma. Na entrevista, o magistrado contou que o problema deve-se ao “sol de muitos anos velejando quando era rapaz”. “Tive que extrair. É um câncer não agressivo, não apresenta metástase, clinicamente eu estou muito bem”, afirmou (0’30”).
Aos 74 anos, o ministro relatou a recente sequência de problemas médicos: “Penso que há mau-olhado, há gente querendo minha vaga antes do tempo. Tomei um tombo besta, rompi os ligamentos do ombro, fiz a operação de correção e tive uma infecção que quase me levou embora”.
Com aposentadoria marcada para o dia 5 de julho deste ano, Marco Aurélio disse que pretende se dedicar às suas atividades como professor universitário e se reaproximar do mar. “Sou um carioca típico, sou de praia, do Maracanã. A campainha do meu celular é o hino do Flamengo”, confidenciou.
Sobre a possibilidade de advogar após deixar o cargo de ministro, afirmou: “Advogar propriamente dito, não. Mas claro que eu poderia utilizar a bagagem acumulada nesses anos pegando no pesado como juiz para emitir pareceres contra controvérsias. Mas lutar no dia a dia do Fórum acompanhando processo, como fiz quando era estagiário, eu não farei” (35′). “Não morrerei de tédio”, resumiu.
atualizado 08/04/2021 9:31